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87 anos da morte de Lampião e Maria Bonita

No dia 28 de julho de 1938, na localidade Angico, município de Porto Redondo, Sergipe, tombavam, sem chance de defesa, Lampião, Maria de Déa (Maria Bonita) e mais nove cangaceiros. Foram emboscados por soldados da volante alagoana comandada por João Bezerra, um antigo colaborador do grupo que mudara de lado. No livro O sonho de Lampião (Principis, 2022), no capítulo "Não se faz parelha com a traição, Marco Haurélio compôs este poema sem título, que serve de epígrafe à última parte do romance histórico: A vida é sonho tão breve que passa e, às vezes, não vemos. Se vivemos ou sonhamos, sabemos, mas não sabemos. E, se a morte é um despertar, Ainda mortos, vivemos.   Quem é que diz o que é certo quando o erro vem de cima? Quem diz que lima é limeira? Quem diz que limeira é lima? Quem diz que meu verso é frouxo, pegue o sentido da rima.   Meu senhor, minha senhora, o meu pensamento enfeixa uma verdade, porém não tome isso como queixa: quem mata o corpo não mata os sonhos que a gen...
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Livros que ilustrei: A Jornada Heroica de Maria (Melhoramentos, 2019)

Dos livros que ilustrei em parceria com Marco Haurélio, A jornada heroica de Maria é especial em mais de um sentido: foi nossa primeira parceria artística, no caso, autor/ilustradora e, também, é uma das belas histórias da tradição oral brasileira. A recriação em cordel não fica atrás: é lírica, é dramática, é épica com protagonismo feminino numa aventura de autodescoberta, de autoconhecimento. Li, lembrando do que disse a saudosa mestra Jette Bonaventure: que as histórias dos contos de fadas dizem muito mais do que dá a entender a camada mais superficial de seu enredo. E cordelistas como Marco Haurélio, intuitivamente, sabem extrair do inconsciente coletivo as mensagens que tocarão corações e mentes de leitores. No tocante ao trabalho, foi uma delícia trabalhar com as meninas da Melhoramentos: sensíveis, acolhedoras, compreensivas. Entenderam as dificuldades, prorrogaram os prazos, deram o melhor tratamento às imagens, produzindo um livro poderoso. Eram muitas as referências, mas b...

Rituais da festa de São João Batista

Por: Lucélia Borges/Xilo-Mulher  Procissão de São João na Agrovila 07. Crédito da imagem: Oeste ao Vivo.  Os festejos de São João, na Agrovila 07, em Serra do Ramalho (BA), começam com a levantada do mastro, dez dias antes da data em que se celebra o Santo: o dia 24 de junho. O mastro é pintado com as cores verde, branca e vermelha, tendo no topo uma bandeira e um estandarte com a representação clássica do padroeiro, aquela em que ele aparece com feições de adolescente. Em seguida à fincada do mastro, a bandeira é hasteada, para gáudio dos participantes. Até o início dos anos 2000, toda a preparação ficava a cargo dos irmãos Manelinho e Aurelino Maciel, que integravam também a banda de pífanos, à época já bastante idosos.  A historiadora Mary Del Priore traz uma informação contrastante a respeito da levantada do mastro no período colonial quando a levantada do mastro era feita pelos jovens: “Durante os festejos de São João, [os jovens] ajudavam a erguer o mastro diante ...

O macaco e o cágado, um conto de Moçambique

  Xilogravura: Lucélia Borges O Macaco ( Khole ) e o Cágado ( Khapa ) eram amigos. O Macaco morava com sua esposa, uma filha e um filho. O Cágado morava com sua esposa e uma filha. Certo dia, o Macaco convidou o Cágado para um almoço em família. Chegado o dia combinado, a família Khapa se arrumou e foi diretinho para a casa do Macaco, bastante contente. – Hodiiii !!!! – pediu licença o Cágado com voz bastante forte. – Eeeee !!! – respondeu a filha do Macaco. O Macaco, que estava sentado em seu alpendre, lançou um olhar para o lado de fora, onde o caminho dava acesso à sua casa, e viu que era o seu amigo Cágado com a família. Rapidamente, chamou a esposa, que estava terminando de arrumar a mesa, e ambos foram receber as visitas, entre abraços e beijos. Depois de alguns minutinhos de piadas trocadas entre o Macaco e o Cágado, o ambiente ficou ainda mais agradável. Como estavam famintos, sem demora, todos se dirigiram à mesa. Na verdade, eram três esteiras estendidas em sepa...

Duas lendas de Santo Antônio

Santo Antônio com o Menino Jesus. Matriz.  Santo Antônio é um dos mais populares santos católicos e é festejado no dia 13 junho, data de sua morte, em 1271. A devoção ao Brasil chegou com os portugueses, espalhou-se rapidamente e é difícil, hoje, uma cidade que não tenha, nos templos católicos, uma imagem deste santo tão querido. A devoção é tamanha que, à diferença de outros oragos, Santo Antônio é festejado não com uma novena, mas com uma trezena, que começa no princípio de junho e vai até o dia 13.  A xilogravura que desenvolvi para a exposição Vidas em Cordel, do Museu da Pessoa, foi inspirada numa lenda narrada por Dona Santinha, de Lagoa de Santo Antônio, Paracatu (MG), cordelizada por Marco Haurélio. A lenda tem a ver com um motivo muito conhecido das histórias de santos: quando estes não querem que sua igreja seja construída em determinado local, mudam de lugar, indicando a sua preferência. "Santo Antônio". Xilogravura para o projeto Vidas em Cordel. Eis o trecho do...

Sobre silenciamentos e apagamentos

"Angela Davis". Detalhe de xilogravura de capa de livreto de Daniella Bento. Por Lucélia Borges Em minha trajetória como artista visual e pesquisadora das tradições populares, tenho me deparado com muita coisa, e o fato de ser mulher e atuar em meio dominado por homens fez meu percurso ser mais difícil e acidentado do que eu sonhava. Isso não quer dizer que, em meio a tantas tentativas de silenciamento, de desqualificação e de alienação, também não haja apoio, acolhimento, parceria e respeito. Constatei, não faz muito tempo, que entre muitas pessoas, independentemente do gênero, que se “vendem” como politizadas, combatentes dos apagamentos históricos das minorias,  impera uma discrepância acentuada entre o discurso e a prática, e a indignação, apoio e repúdio são seletivos. Descobri, inclusive, uma palavra nova, manterrupting (*) , que se encaixava perfeitamente com a situação pela qual passei, em reunião da Comissão de Salvaguarda da Literatura de Cordel de São Paulo, e pa...

Homenagem ao gênio Guimarães Rosa

Guimarães Rosa, o gênio geraizeiro.  Considerado um dos maiores escritores brasileiros, João Guimarães Rosa (1908-1967) é sinônimo do sertão norte-mineiro, dos gerais (como o povo alude ao cerrado em Minas e na Bahia) e de uma prosa vigorosa que une tradição e reinvenção como nunca se viu antes em nosso país. Foi este autor genial, romancista, contista, memorialista, autor do seminal Grande sertão: veredas e de obras antológicas como Sagarana e Noites do sertão , que retratei em xilogravura. Matriz entintada retratando o autor de Sagarana . O pedido para que eu entalhasse na madeira o gênio de Cordisburgo veio do poeta e capoeirista Olegário Alfredo, o Mestre Gaio, com vistas a uma exposição durante a Bienal Mineira do Livro, que reuniria também outros artistas. Dei preferência a uma cena doméstica, fugindo um pouco à imagem mais explorada do romancista, tendo o sertão mineiro ao fundo. E como gosto de gatos, e percebi que ele também os amava, retratei-o ao lado de um bichano. ...