Dos livros que ilustrei em parceria com Marco Haurélio, A jornada heroica de Maria é especial em mais de um sentido: foi nossa primeira parceria artística, no caso, autor/ilustradora e, também, é uma das belas histórias da tradição oral brasileira. A recriação em cordel não fica atrás: é lírica, é dramática, é épica com protagonismo feminino numa aventura de autodescoberta, de autoconhecimento. Li, lembrando do que disse a saudosa mestra Jette Bonaventure: que as histórias dos contos de fadas dizem muito mais do que dá a entender a camada mais superficial de seu enredo. E cordelistas como Marco Haurélio, intuitivamente, sabem extrair do inconsciente coletivo as mensagens que tocarão corações e mentes de leitores.
No tocante ao trabalho, foi uma delícia trabalhar com as
meninas da Melhoramentos: sensíveis, acolhedoras, compreensivas. Entenderam as
dificuldades, prorrogaram os prazos, deram o melhor tratamento às imagens,
produzindo um livro poderoso. Eram muitas as referências, mas busquei conectar
o Nordeste com as mitologias da Grécia e da Índia, ainda que o Reino do Limo
Verde evocado na história exista apenas na imaginação fértil dos contadores de
histórias.
Todo o carinho, da escrita à ilustração, da edição à
divulgação, redundou em muitos prêmios, os primeiros que recebi em minha curta
carreira como ilustradora:
• Selo Seleção Cátedra-Unesco de Leitura (Puc-Rio);
• Prêmio Altamente Recomendável (Fundação Nacional do Livro
Infantil e Juvenil – FNLIJ)
• Seleção FNLIJ para o Catálogo da Feira do Livro de Bolonha,
Itália.
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| Na entrega do Prêmio Cátedra-Unesco, no Rio de Janeiro (março de 2020). Com Marco Haurélio e a editora Leila Bertolazzi. |
Algumas estrofes deste livro encantador, que, segundo Marco Haurélio, conheceu sua primeira versão literária no século XII, por obra da poeta Marie de France, que compôs um lai chamado “Yonec”. Lai, ensina Haurélio, é um poema narrativo semelhante ao nosso cordel, só que bem mais curto:
Meus versos viajam
muito
Em busca de
inspiração:
Vão até reinos
distantes,
Depois voltam pro
sertão,
Trazendo as flores
colhidas
No Jardim da
Tradição.
Na história que ora
conto,
De amor eu quero
falar.
Quem caminha nesta
senda
Um dia irá encontrar
A essência
verdadeira
Que brota do
caminhar.
Quem a ler até o fim
Verá a perseverança
Fazer brotar a
semente
No canteiro da
esperança,
Pois o amor
verdadeiro
É mais forte que a
vingança.
Em um distante país,
Há tempos que longe
vão,
Em um lugar afastado
De toda povoação,
Vivia uma bruxa
velha
Numa pobre
habitação.
Tinha esta velha
três filhas,
Três seres
descomunais,
Daqueles que hoje só
vemos
Nos livros
medievais,
Porque, se uma era
feia,
A outra ainda era
mais!
Possuíam os sinais
Da perversa
natureza,
Porém, ali, muito
perto
Deste antro de
torpeza,
Residia uma donzela
Mais bela do que a
beleza.
Em relação a esta
moça
Havia um grande
mistério,
Pois ela era
visitada
Por alguém de outro
hemisfério,
E a velha, muito invejosa,
Assim, saía do sério.
Foi esta jornada maravilhosa que me encantou e me propiciou
participar de um dos projetos mais lindo de minha caminhada no mundo da arte.


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